sexta-feira, 20 de maio de 2011

A Guerra dos Imoles, 7ª parte - uma noveleta de Roberval Barcelos

A primeira batalha

Adebisi não se sentia à vontade com a escolha. Desde que começaram seus sonhos estranhos que a aldeia inteira o trata como se não fosse gente, mas sim algo a ser temido ou adorado. No momento, ele começava a ser evitado. Só o Babalaô lhe dirigia palavras de conforto e esse tal de Ferreiro se esforçava em ser simpático. Tirando eles, nem Iawana.

De repente, um grupo de guerreiros de sua tribo agitou-se e correu para o centro da aldeia empunhando
lanças de madeira. Pouco depois, um grupo pequeno de outra tribo chegou liderados por um homem grande e forte – “no auge” – , chamado Afisi, que logo solicitou uma reunião com os anciãos. Adebisi ficou por perto para escutar.

Reuniram-se na maior cabana e, sem cerimônias, o tal Afisi foi logo ao assunto:

– Sabemos sobre o “élégun” – disse. – E isso é muito perigoso.

– Nossa tribo foi abençoada pelos deuses – disse um dos anciãos – O primeiro entre nós nos ligará aos
deuses para sempre.

Afisi inclinou o torso e rebateu:
– Fomos ao Babalaô da montanha e ele perguntou a Orunmilá sobre o nosso destino. O que ele viu não foi nada bom.

Os anciãos trocaram olhares. Havia muitos Babalaôs – talvez uma dúzia – espalhados pelos cantos daquele pedaço da África e todos eram igualmente respeitados.

– O que lhe disse Orunmilá? – indagou um dos anciãos.

– Que o fim de tudo se aproxima – fez uma pausa. – Os deuses se dividiram entre “irún-imolés” (deuses da direita) e “igbá-imolés” (deuses da esquerda) e os segundos querem destruir o mundo só para que nunca haja um “élégun”.

Os anciãos iniciaram um murmúrio. Havia entre eles um minoria que era contrária ao “élégun” por julgálo uma blasfêmia aos imolés e um grupo ainda menor que tinha medo – muito medo.

– E você, Afisi? O que teme?

– Temo apenas os deuses.

– Teme os “irún-imolés” ou os “igbá-imolés”?

Afisi não respondeu. Franziu o cenho e passou a língua nos lábios.

– Teme os homens? – a pergunta do ancião foi em tom de desafio.

– Temo o que não posso enfrentar mesmo com a força de mil guerreiros. Temo estar impotente para ajudar os meus.

O ancião pegou um pote de barro. Retirou dele uma ponta de bala de fuzil um pouco arranhada e
chamuscada. Atirando-a entre as pernas de Afisi, disse:

– É a isto que você teme, Afisi. Os homens maus que destruíram a aldeia da curva do rio. O que mostro
foi tirado de dentro do peito de um guerreiro jovem – que estava morto. Essa coisa pequenina mata mais do que uma lança grande e é por isso que você está com medo.

Afisi respirou fundo, apanhou a bala e devolveu-a ao ancião.

– Aqueles homens não querem o “élégun” entre nós e pediram que lhe fosse entregue. Se não obedecermos eles nos castigarão.

– Viu Afisi? É o medo dos homens e não dos deuses que te trouxe aqui. Que homens são eles para tentarem
se sobrepor aos deuses?

– Devem ser mensageiros dos “igbá-imolés”. Eles usam armas que não podemos compreender e têm muitas aldeias aliadas que usarão contra nós.

– Nós?

– Sim. Contra a minha aldeia e a de vocês. Se lhes entregarmos o “élégun”, a guerra acaba, os homens maus vão embora, os “igbá-imolés” serão aplacados e salvaremos o mundo da destruição.

Os anciãos ficaram em silêncio. Procuravam nos olhos de Afisi respostas ou brechas para novas perguntas.

Do lado de fora, atento à conversa, Adebisi sentia seu coração querendo sair pela boca.

– O único que pode salvar o mundo é o “élégun” – sentenciou um dos anciãos, fazendo jus aos anos de
experiência.

Afisi sentiu-se frustrado. Olhou para cada um dos anciãos e, por fim, disse:

– Vocês estão cometendo um grave engano ao verem o “élégun” como um deus. Depois do primeiro, vocês continuarão a fazer novos deuses? Arrogar-se-ão em criar deuses todos os dias? Adorarão homens que se dirão portadores da essência dos deuses? No final esquecerão que fazemos homens e não deuses?

– Não, Afisi. Apenas sabemos que os deuses nos deram uma oportunidade de, juntos, criarmos uma grande Era. E acredite que sabemos a diferença entre homens e deuses.

Afisi encerrou a conversa. Respeitosamente, se retirou e ao sair deparou-se com Adebisi, que olhava
assustado para seu porte majestoso.

Sem dizer uma palavra, ele partiu com sua escolta de guerreiros. Adebisi esperou que ele sumisse de vista e entrou na cabana, onde os anciãos ainda conversavam.

– Falavam sobre mim?

Silêncio.

– Ele – apontou para fora, referindo-se a Afisi – queria me matar, não queria?

Silêncio.

– E vocês? Estão decidindo o quê fazer comigo?

– Não. – respondeu o mais velho de todos com firmeza – Só confirmamos que temos fé nos deuses e que de tanto amá-los os queremos bem próximos de nós. Para isso precisamos do “élégun”, ou seja: de você.

Adebisi sorriu de alívio e satisfação. Saiu dali saltitando pela aldeia, feliz em ver-se novamente um ente querido.

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